Elliott Abrams e o tempo das guerras. "A imprevisibilidade de Trump pode ajudar a dissuadir agressores"

Uma segunda Administração Trump traria um "retorno a uma política de maior apoio a Israel", a par de "maior pressão sobre o Irão". Em contraste, a ser eleita presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris poderia "continuar as políticas" de Joe Biden, mas acabar por ceder a uma eventual "pressão da ala esquerda do Partido Democrático", abandonando "um sentimento muito antigo" de apoio ao Estado hebraico. É assim que Elliott Abrams, neoconservador que integrou três administrações republicanas, entre as quais a de Donald Trump, antevê dois dos cenários possíveis para o horizonte além da eleição presidencial.

Acredito que Trump vai regressar a uma política de maior apoio a Israel e maior pressão sobre o Irão – a começar com sanções económicas. Procuraria também avançar com os Acordos de Abraão, que foram feitos quando ele era presidente”, projeta Elliott Abrams, que respondeu por e-mail a um conjunto de perguntas da RTP sobre as posições dos dois candidatos à Presidência dos Estados Unidos, em matéria de política externa.Os Acordos de Abraão são entendimentos bilaterais tendentes à normalização de relações assinados entre Israel, os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein a 15 de setembro de 2020.


Questionado sobre o que esperar da atual vice-presidente norte-americana no que toca ao Médio Oriente e ao conflito que opõe Israel ao movimento palestiniano Hamas, ao Hezbollah xiita libanês e ao Irão, o antigo vice-conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca de George W. Bush considera provável que Kamala Harris “continue com as políticas de Biden”. Isto tendo em conta que “não enunciou quaisquer diferenças” face ao presidente cessante relativamente ao Médio Oriente.

Contudo, Abrams não deixa de antecipar uma potencial viragem: “Biden tem um sentimento de apoio a Israel muito antigo, duradouro, que ela e os seus nomeados podem não partilhar, especialmente se estiverem sob pressão da ala esquerda do Partido Democrático”.

“Não espero ver Harris a reimpor, ou a implementar vigorosamente, as sanções económicas ao Irão”
, reforça o veterano político republicano.Irão e Rússia. “Façam o que precisam” ou “calma e estabilidade”

Questionado sobre se Donald Trump poderia hesitar face ao regime iraniano, dada a atual aproximação deste à Rússia de Vladimir Putin, Elliott Abrams observa: “Uma mudança real nos anos de Biden é a nova e próxima relação militar entre o Irão e a Rússia. Isto levará qualquer presidente dos Estados Unidos a preocupar-se ainda mais com as políticas de Putin”.

“Trump deverá ser mais próximo do Governo de Israel, porque a Administração Biden e, provavelmente, uma administração Harris parecem querer – acima de tudo - calma e estabilidade e pedir aos israelitas que façam cada vez menos face a Gaza, ao Líbano e ao Irão. É mais provável que Trump diga façam o que precisam de fazer e acabem-no”, insiste.

Num dos derradeiros comícios da campanha para a eleição de 5 de novembro, Kamala Harris descreveu Donald Trump como “um homem cheio de rancores”, o que, na sua ótica, poderia levar a uma “procura de vingança” desde o primeiro dia de regresso à Sala Oval. Poderia tal postura estender-se à política externa e mesmo à relação com os aliados da NATO, que sofreu uma erosão às mãos do 45.º presidente norte-americano? Elliott Abrams responde pela negativa.

“As previsões são difíceis, mas a pressão de Trump fortaleceu, na verdade, a NATO porque os membros gastaram mais com a defesa. Ele vai, sem dúvida, prosseguir com estas exigências, mas os europeus que veem a agressão russa deveriam desejar isto, de qualquer modo”
, advoga, para rematar: “Trump vai pressionar a NATO, mas nunca cortará laços”.A Ucrânia e o espectro de uma guerra mundial

Ainda na antecâmara da nomeação presidencial republicana, Donald Trump começou a clamar que estaria em condições de pôr termo à guerra na Ucrânia em dias ou horas. Elliott Abrams admite que “não é claro” se o caminho de uma nova administração com o cunho do magnata nova-iorquino poderia passar, em tese, por um corte no respaldo bélico e financeiro de Washington a Kiev.

“Mas Trump tem sugerido que pressionaria a Rússia e a Ucrânia a negociarem alguma coisa. Se isto é bom ou mau, depende da nossa visão da guerra hoje: um impasse que deve ser terminado com um armistício que trave a matança, ou atos de agressão russos que devem ser contrariados e derrotados”, faz notar.

Outra das frentes da política externa do Kremlin passa pelo projeto de conversão dos BRICS num contrapoder face aos Estados Unidos. Algo que ficou patente na última cimeira deste grupo de economias emergentes. Elliott Abrams desvaloriza.

“O futuro dos BRICS não me parece prometedor, como um bloco de poder. Que poder? Que bloco? E quanto maiores ficam, mais difusos os seus membros, menos conseguem fazer”, abrevia.

Perante a multiplicação de teatros de guerra, do Médio Oriente ao leste da Europa, e o recrudescimento das tensões entre a China e Taiwan, Abrams evita, por agora, enveredar pelo quadro de uma conflagração à escala global. Mas enumera riscos concretos e propugna que a idiossincrasia de Trump pode até constituir um trunfo.

“A III Guerra Mundial é uma frase para assustar. As verdadeiras questões são mais estreitas: um ataque russo a um Estado báltico ou a China tentar invadir Taiwan, por exemplo. A imprevisibilidade de Trump pode ajudar a dissuadir agressores nestes casos”, conclui.
Perfil
O republicano Elliott Abrams, de 76 anos, natural de Nova Iorque, é membro e especialista sénior do centro de reflexão norte-americano Council on Foreign Relations, sediado em Washington. Foi nesta qualidade que acedeu a responder por escrito às perguntas da RTP.


Protagonista de uma carreira política não isenta de controvérsia, foi subsecretário de Estado na Presidência de Ronald Reagan e vice-conselheiro de Segurança Nacional na Administração do presidente George W. Bush, na qual supervisionou a política da Casa Branca para o Médio Oriente.Em 1991, Elliott Abrams foi condenado por dois delitos de omissão de informações ao Congresso no auge do escândalo Irão-Contras - um programa secreto ao abrigo do qual os proventos da venda de armamento ao Irão eram atribuídos a paramilitares de direita que combatiam o Governo socialista da Nicarágua. Seria posteriormente amnistiado pelo presidente George Bush.

Mais recentemente, na vigência da Administração Trump, foi nomeado representante especial para o Irão e a Venezuela, escolha amplamente criticada nos circuitos liberais norte-americanos.

Presidiu também ao Centro de Ética e Política Pública de Washington e integrou a Comissão de Liberdade Religiosa Internacional dos Estados Unidos.

Elliott Abrams é autor de cinco livros: Undue Process, Security and Sacrifice, Faith or Fear: How Jews Can Survive in a Christian America, Tested by Zion: The Bush Administration and the Israeli-Palestinian Conflict e, por último, Realism and Democracy: American Foreign Policy After the Arab Spring.